Por
Reinaldo Fernandes*
Ouvi muita gente dizendo que o dia 4 de março de
2016 foi um dia histórico. Sim, foi. Pela primeira vez na história deste país,
um ex-presidente foi sequestrado pela Polícia Federal a mando de um juiz,
Sérgio Moro. Observem: não houve pedido do MP para a “condução coercitiva”, foi
Moro que decidiu, arbitrariamente. À luz dos fatos, qualquer pessoa com um
mínimo de raciocínio percebe que a intenção era pôr o Lula num avião e levá-lo
a Curitiba. E essa informação era de conhecimento de centenas, talvez milhares
de pessoas, tanto que havia aglomerações no aeroporto de São Paulo e no de
Curitiba. Outro sinal de que tudo estava armado: na frente da sede da Polícia
Federal, em Curitiba, onde normalmente são levados os presos da “Lava Jato”,
havia uma concentração muito grande de pessoas. Até o ultrarreacionário Jair
Bolsonaro, com várias caixas de foguetes, estava lá.
Ficam as perguntas: por que tanta gente, e até
Bolsonaro, já sabia? Por que, com tantas delegacias em SP, onde Lula poderia
depor, ele foi levado a um aeroporto? Por que
o levaram para o aeroporto, se lá não é sede da PF? Queriam levá-lo preso e
trancafiá-lo no Paraná, da República de Moro, sem provas, sem processo, só com
acusação de bandido pego que virou delator? De duas, uma: ou foi uma manobra para o espetáculo
midiático combinado anteriormente ou algo saiu errado no meio do caminho e Moro
teve que mudar de ideia.
Outro ex-presidente, esse do PSDB, quando sobre ele
pairavam acusações de uso de dinheiro sujo, também foi interrogado pela PF. Em
seu apartamento, sem imprensa, sem nada. Mas isso é fácil de entender: há uma
estreita ligação entre Moro e o PSDB: sua esposa, Rosângela Moro, por exemplo,
advoga para o PSDB do Paraná e para multinacionais de petróleo, como a Shell. O
pai foi fundador do PSDB de Maringá.
O juiz Sérgio Moro mantém preso o tesoureiro do
PT, mas não mandou prender os tesoureiros dos demais partidos citados em
delação premiada, dentro da mesma operação, dentre os quais havia políticos do
PSDB, PMDB, PP, SDD e outros. O tesoureiro do PSDB, Márcio Fortes, que foi
tesoureiro de campanha de FHC e de José Serra, além do envolvimento com o PSDB
na Lava Jato, é titular de conta para lavagem de dinheiro no HSBC da Suíça. Mas
continua solto.
A TV Globo deu ao juiz Sérgio Moro o título de
personalidade do ano. A TV Globo apoiou e cresceu à sombra da Ditadura Militar,
foi contra as eleições diretas e, no governo de FHC, fez campanha pela
privatização da Petrobrás, comparando a estatal a um elefante branco e chamando
os petroleiros de marajás.
A Globo e o PSDB sempre defenderam a privatização
da Petrobrás. O seu projeto de país tem sido derrotado nas urnas. Mas, por vias
transversas, está sendo retomado. É o que aponta o projeto do senador José
Serra que retira da Petrobrás a função de ser operadora única do pré-sal e
acaba com o regime de partilha, retornando ao pior modelo, que é o de
concessão, instituído em 1997 pelo PSDB.
No sequestro de Lula, 200 policiais federais.
Como se Lula fosse um bandido internacional de alta periculosidade. Sim, 200
policiais! Mas Lula nem sequer havia sido intimado! Não havendo, portanto,
nenhuma desobediência à Lei. Mas isso também se explica, nas palavras de Marco
Aurélio de Melo, Ministro do Supremo Tribunal Federal, a corte maior da
Justiça: “Condução coercitiva? O que é isso? Eu não compreendi. Só se conduz
coercitivamente, ou, como se dizia antigamente, debaixo de vara, o cidadão que
resiste e não comparece para depor. E o Lula não foi intimado. E o mais sério é
que tudo se deu com uma pessoa que duas vezes foi eleita pelo povo. Se
aconteceu com o ex-presidente Lula, o que ocorrerá com o cidadão comum? Talvez
o leigo não perceba o alcance desse ato extremo. Precisamos colocar os pingos
nos is. Nós, magistrados, não somos legisladores, não somos justiceiros. Não se
avança atropelando as regras básicas. O fato deve ser tomado para que não se
repita. Em direito o meio justifica o fim, mas não o fim o meio. Eu não posso,
sob pena de adentrar o campo do regime de exceção, criar o critério que eu ache
mais aconselhável, muito menos para ter o efeito que se teve em termos de
repercussão nacional. Que estamos com uma generalização de atos extravagantes,
estamos.”
Há uma orquestração das forças do atraso, dos que
perderam as eleições – mesmo sendo eleições burguesas, com regras criadas por
eles – e não aceitam a opção feita pela maioria da população, mais de 54
milhões de pessoas. Essa orquestração quer não apenas derrubar a Presidenta
Dilma, quer aniquilar a reputação de Lula, para aniquilar o projeto
democrático-popular instaurado no País a partir de 2002. Senão, vejamos: na
data anterior ao sequestro, a revista Isto É, reconhecidamente antipetista, antecipou
em dois dias sua edição para dizer que um senador, preso recentemente, ex-PSDB,
tinha dito que Lula e Dilma sabiam de tudo da Lava Jato. E a Globo aumentou seu
jornal nacional em meia hora, uma hora no total “dedicada” à Dilma e Lula. Primeiro
a revista; em seguida, a Globo; e, para fechar, o espetáculo do sequestro,
acompanhado e transmitido ao vivo: coincidência ou ações organizadas por Moro e
os Marinhos? Preparo do terreno para as manifestações do dia 13 de março para
acelerar o processo de impeachment?
No interrogatório a PF quis saber de um barco de
lata que Lula comprou para sua esposa, no valor de 4 mil reais. E de um
pedalinho em seu sítio, de dois mil reais, comprados para os netos. E o valor
de suas palestras feitas mundo afora. E saber que Luciano Hulk, apresentador da
Globo e PSDB declarado, possui um iate de R$ 12 milhões; e que o ex-presidente
Clinton já veio ao Brasil fazer palestra por R$ 1 milhão!
Alguns, até mesmo petistas, podem pensar que se trata
de um ilegal e violento ataque a Lula. Ledo engano!
O que está em jogo é a velha luta entre a Casa Grande
e a Senzala! Lula representa a Senzala. Em suas palestras mundo afora o que lhe
perguntam é sobre os milagres que seu governo realizou no Brasil, o que fez
pela Senzala. O que está em jogo não é o ataque a Lula, é o ataque às
conquistas do povo brasileiro desde que as forças progressistas chegaram ao
centro do governo.
O governo de Lula, do PT, tirou 22 milhões de
cidadãos da pobreza extrema, tirou o Brasil do Mapa da Fome e ascendeu 42
milhões de brasileiros à classe média. Com o Luz Para Todos, levou energia elétrica a todos os brasileiros,
criou o maior programa de distribuição de renda do Planeta. Criou o Minha Casa, Minha Vida, e deu teto para
milhões. Gerou 21 milhões de empregos formais, valorizou o salário mínimo, que
aumentou 76,5%, nos últimos 11 anos; implantou uma política de conteúdo
nacional, que reergueu nossa indústria naval e reestruturou a cadeia econômica
do petróleo. Descobriu o pré-sal!
Lula abriu as portas das universidades
brasileiras para pobres e afrodescendentes. Melhorou o ENEM, financiou
estudantes, criou as cotas, e deu diploma ao filho do pedreiro! Construiu mais
universidades – inclusive indígenas - que todos os presidentes anteriores.
Foi com Lula que o povo pobre começou a viajar de
carro, de avião e a ir aos Shoppings e aos lugares antes frequentados apenas
pela Casa Grande.
Criou um ministério para combater a corrupção,
fortaleceu e deu autonomia real a todas as instituições de controle.
Lula nunca mais levou o Brasil ao FMI, enterrou a
ALCA, investiu no Mercosul e na integração regional, instituiu uma política
externa ativa e altiva, ajudou a criar o BRICS, e o mundo passou a ouvir e a
respeitar nosso País. O respeito foi de tal forma que foi cotado para ser
Secretário Geral da ONU. Nada demais para um presidente que chegou a ter 87% de
aprovação dos brasileiros e foi chamado de “O cara!” pelos USA.
No fim, Lula foi apenas o líder saído do meio do
povo que deu ao seu povo, senão tudo que ele merecia, uma nova vida, com novos
sonhos, abriu-lhes perspectivas para um país menos injusto. A Casa Grande não
quer prender Lula. A Casa Grande quer destruir sua reputação, porque essa é a
metáfora para destruir o projeto democrático-popular que Lula, o PT e a forças
de esquerda representam. Não é um ataque a Lula, é um ataque a milhões de
brasileiros que formam o povo deste País.
O momento é
perigoso, os fascistas estão à espreita, preparam o bote. As forças
reacionárias estão com a caixa de foguetes na mão, prontas para comemorar. No entanto,
pode-se matar um homem, mas não se mata suas ideias. O que move as forças do
bem, o desejo dos que sonham e trabalham por Um Outro Brasil Possível não é
destruído com um sequestro, com um impeachment, com a cassação de um partido.
Não! Não passarão! Não é apenas a jararaca que está viva: é a ninhada toda!
* Reinaldo Fernandes é professor e vereador pelo PT de Brumadinho –
MG. Texto produzido com colaborações diversas.